Economia

A verdade sobre os Likes



Você sabe como os likes são importantes. As pessoas medem a própria autoestima, e a amizade dos amigos, pelos likes que recebem deles. As empresas também fazem de tudo por curtidas: planejam, decidem e até promovem funcionários de acordo com elas. Likes valem muito. Mas talvez não devessem. Porque, como você descobrirá nesta reportagem, eles fazem parte de um jogo – que pode ser burlado dando dinheiro ao Facebook.

Sabe quando você entra numa página do Face e dá like nela? Pode ser qualquer página: a do Corinthians (curtida por 11,3 milhões de pessoas), a da SUPER (4 milhões), a do seu restaurante ou escritor favorito. Quando você curte aquela página, passa a receber, na sua timeline, os posts que ela publicar. Certo? Errado. O Facebook não avisa, mas, quando você curte uma página, na verdade tem uma chance bem pequena de receber as publicações dela. Tudo por causa de uma coisa chamada ”alcance orgânico”. Esse termo mede quantos % das pessoas inscritas numa página recebem os posts que ela publica. Se todas as pessoas recebessem, o alcance seria de 100%. Mas sabe quanto é, na prática? 6,5%. Ou seja: de cada cem pessoas que curtem uma página, apenas seis, em média, recebem o conteúdo postado por ela. Foi o que constatou um estudo feito em 2014 pela empresa EdgeRank Checker, que analisou o alcance de 50 mil posts publicados por mil páginas. E isso é o teto. ”Em muitos casos, a taxa é até menor”, diz Walter Motta, diretor da agência Riot, que produz conteúdo de Facebook para empresas.

O Face alega que essa restrição é necessária. Se ele mostrasse tudo, as timelines das pessoas seriam inundadas por um excesso de conteúdo. ”Hoje, o brasileiro tem em média 400 amigos e curte mais de cem páginas. Se todas as publicações fossem exibidas, em ordem cronológica e sem filtro, você já teria abandonado sua conta há muito tempo”, explica Motta. Faz sentido. Mas também há outra questão envolvida.

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Só nos primeiros três meses deste ano, o Facebook faturou US$ 3,5 bilhões. E esse dinheiro vem de um lugar: publicidade. Ou seja, as taxas que o Facebook cobra para promover e distribuir posts. Se você criar uma página, e não pagar essas taxas, ele só mandará os seus posts para pouquíssimas pessoas. E você não terá acessos nem likes. Não será popular, não vai bombar. Não fará sucesso.

Já, pelo contrário, se você aceitar pagar… sua página ganhará um montão de likes. Inclusive se ela for indizivelmente imbecil. Foi o que eu descobri fazendo um teste ao longo de duas semanas. Para não contaminar o resultado, mantive a coisa em segredo total – não contei nem para meus colegas da SUPER, que só ficaram sabendo da experiência depois de concluída. Para evitar possíveis interferências, o Facebook só foi informado do teste depois que ele já tinha terminado e as provas haviam sido coletadas. A empresa recebeu por escrito uma descrição detalhada da minha experiência, com uma semana de prazo para responder. Ela não se manifestou.

Inottarag, muito prazer  
Decidi montar uma página completamente sem conteúdo e sem sentido, que nenhum ser humano em sã consciência jamais curtiria – e colocar dinheiro na ferramenta de publicidade do Facebook para ver se, mesmo assim, minha página conseguiria curtidas. Se desse certo, isso provaria uma tese: basta pagar para ter likes sobre qualquer coisa. Mesmo.

Usando uma conta falsa, que criei apenas para a experiência e não tinha nenhum amigo no Face, publiquei quatro páginas. Foram quatro porque chegar ao nonsense perfeito foi mais difícil do que eu imaginava. Afinal, quase tudo pode ter algum significado para alguém. Não é fácil criar uma página que seja infinitamente, perfeitamente, sem sentido.

Minha primeira página se chamava Tijolo, e trazia apenas a singela foto de um tijolo. Imediatamente apareceu uma mensagem perguntando se eu não gostaria de ”promovê-la”. Claro, a ideia era essa.

Aceitei e o Facebook emitiu um boleto bancário. Paguei, adicionei créditos à minha conta, e comecei a brincar. Investi R$ 20 na minha página. Enquanto eu configurava minha “campanha publicitária”, algo me chamou a atenção. O Facebook me prometeu um determinado número de likes por dia. Veja bem, ele não disse que iria mostrar minha página a X pessoas, que poderiam gostar dela ou não. Fez algo bem diferente: disse que X pessoas iriam me dar likes. Dito e feito. Em poucas horas, consegui 69 curtidas. Mas havia um problema: aquilo não provava nada. Afinal, talvez as pessoas estivessem curtindo  minha página porque quisessem ler sobre tijolos e materiais de construção. Eu precisava inventar algo com menos sentido. Algo que ninguém pudesse ter motivos legítimos para curtir.

Depois de pensar bastante, criei a página Inottarag – não significa nada, é apenas o meu sobrenome ao contrário. A página também não tinha nenhum conteúdo. Mas, ao longo de uma semana, recebeu 167 likes. Graças, é claro, aos R$ 96 que paguei ao Facebook.

Comecei a entrar em contato, pelo próprio Face e agora usando meu nome real, com as pessoas que tinham curtido a página Inottarag. Perguntei se elas realmente tinham dado like, e por quê. Quarenta tentativas, zero respostas. É que, como não sou amigo dessas pessoas, minhas mensagens estavam caindo na caixa postal secundária, que quase ninguém olha. Mas lembrei que, no Facebook, um dinheirinho sempre ajuda. Se você pagar R$ 0,88 por mensagem, ela vai para o local certo – literalmente pula na tela da pessoa. Mandei outras 40 mensagens, pagando. Desta vez, mais de dez pessoas responderam.

Mas sempre de modo pouco esclarecedor. Umas falavam coisas truncadas, como “Eu só de dor 2 dia para VC mim terga”, ou simplesmente diziam que tinham achado a página “interessante”. Quando eu insistia em perguntar o porquê, sumiam.

Para provar que absolutamente qualquer coisa poderia ganhar likes, desde que se dê dinheiro ao Facebook, eu teria de ir além. E fui. Digitei uma combinação aleatória no teclado: Sdftyu459867. Criei uma página com esse nome, e outra de nome praticamente idêntico: Sdftyu459868 (muda apenas o último dígito, de 7 para 8). Ambas vazias, sem nenhum post ou descrição. Na primeira, não coloquei nenhum dinheiro. Mas investi R$ 70 para que o Facebook promovesse a segunda. O resultado não poderia ser mais claro. A  primeira página teve zero like. Já a outra, turbinada pelo dinheiro, ganhou 184.

Comecei a olhar os perfis das pessoas que tinham curtido, e logo de cara tomei um susto. Normando Júnior! Essa pessoa já tinha curtido uma das minhas páginas anteriores (Inottarag), e também dera like na nova (Sdftyu459868). Era o elo perdido, a chave para tentar entender o que estava acontecendo. O perfil do sujeito dizia que ele trabalhara numa pizzaria em Recife, e trazia uma foto de Normando sentado num banco, todo sorridente – com alguns comentários de amigos (”Só luxaaaaandooo!!”). Mandei uma mensagem perguntando por que ele tinha curtido minhas páginas. Resposta: ”Bruno curto não mais valeu” (sic). Insisti, perguntei se isso significava que, na verdade, ele não curtira minhas páginas (o que poderia ser um indício de fraude). Normando foi ainda mais ambíguo – respondeu apenas com um símbolo de joinha.

Tentei falar com mais pessoas. Uma ou outra respondeu, sempre seguindo o mesmo padrão pouco esclarecedor: ”Não tinha nada pra curtir, mas eu curti assim mesmo”. Fui perdendo o ânimo até que, por algum motivo, o Facebook passou a me impedir de enviar mensagens pagas. Ele deixou de ganhar alguns reais – e eu perdi meu único jeito de entrar em contato com as pessoas que tinham curtido minhas páginas falsas. Aparentemente, pelo menos algumas delas eram gente de verdade, não robôs programados para dar cliques. Por que deram likes, jamais saberemos.

Mas agora você sabe como o jogo funciona. Não leve os likes a sério, porque as pessoas curtem absolutamente qualquer coisa. Basta dar dinheiro ao Facebook. Quando você vir uma página que teve muitas curtidas, saiba que podem ter sido compradas. Acontece em toda parte. Inclusive no Departamento de Estado dos EUA, que em 2013 confessou ter pago US$ 630 mil ao Facebook para ter mais likes em sua página. Deu certo: gerou 2 milhões de curtidas. Cada uma custou US$ 0,30. As minhas, pelo menos, foram mais baratas – R$ 0,38 cada.

Super Interessante



Redação

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